Em busca da "calmaria"
Em "A Cidade e as Serras", uma de
suas últimas obras, Eça de Queirós parece fazer questão de tentar nos passar a
ideia de que o campo é melhor que a cidade. Porém qual é seu verdadeiro
objetivo ao fazer isso? Quisera ele simplesmente contemplar a serra numa clara
reflexão de um de seus últimos desejos, ou seja, passar os dias que lhe
restavam em vida num lugar com paz e tranquilidade? Ou teria ele um objetivo
maior, criticando alguns males da sociedade e introduzindo até mesmo certas
ideias de sustentabilidade?
O livro conta a
história de Jacinto, um rico jovem parisiense que a princípio fica obcecado por
bugigangas e inovações tecnológicas. Porém, ao decorrer da história ele fica
cansado de todas as “futilidades” de sua vida, como a agitação desnecessária, a
poluição, e até mesmo o excesso de complicações para fazer praticamente tudo.
Graças a isso, Jacinto começa a ficar depressivo e abatido. Percebe-se logo ai
que, mesmo tendo sido publicado há mais de um século, o livro trás problemas
atuais, como o stress da vida na cidade, e nos leva a um questionamento: será
que uma vida tão agitada, cheia de complicações e inutilidades, supostamente
tidas como “benefícios trazidos pelo progresso e pela vida em sociedade”,
realmente vale a pena?
Ficando cada vez
mais depressivo, Jacinto finalmente é convencido por Zé Fernandes, seu melhor
amigo, a sair da cidade e passar alguns dias nas serras portuguesas. Inicialmente
Jacinto não gosta da ideia, porém ao chegar lá, Jacinto acaba gostando da
simplicidade, e ao ver-se livre de todas as complicações, percebe que o excesso
de futilidades era a razão de sua depressão, e ao passar seus primeiros dias de
verdadeira tranquilidade, fica revitalizado.
Porém, após algum
tempo no campo, Jacinto sente novamente a atração pela tecnologia, e decide
levar uma inovação tecnológica para o campo: o telefone, invenção que beneficia
todos a sua volta. Nesse trecho pode-se perceber uma “estabilização” entre a
antes desprezada vida na cidade, com seus avanços tecnológicos, e a antes
idolatrada vida no campo, com sua paz e tranquilidade: chega-se num meio termo,
o uso sustentável da tecnologia, ou seja, a implantação no campo sem poluir a
natureza e sem causar nenhuma destruição desnecessária.
Jacinto então,
vendo os benefícios que o telefone trouxe, percebe que o campo havia sido
praticamente esquecido pelo governo da época, e decide fazer algo para ajudar a
população e começa a fazer varias coisas para melhoras as condições de vida dos
camponeses. Destaca-se nessa parte do livro um problema presente até os dias
atuais, a pobreza nas áreas fora das cidades e a negligência do governo em
relação a essas áreas. Afinal de contas, realmente poderiam existir um ou dois
“Jacintos” no nordeste brasileiro, pois a situação de lá é a mesma há séculos,
e ninguém parece se importar.
Após a leitura de
“A Cidade e as Serras”, pode se perceber que é um livro que, mesmo aparentemente
tratando de temas bucólicos e monótonos, na verdade ainda apresenta o tom
critico característico de Eça de Queirós, porém desta vez um pouco menos
escancarado, e que a obra, mesmo centenária, ainda retrata assuntos que podem
ser trazidos para a atualidade, como o desprezo do meio ambiente em razão dos
avanços tecnológicos e a pobreza nas áreas rurais. Mesmo sendo uma leitura muito
mais monótona do que outra obras de Eça, “A Cidade e as Serras” ainda é uma
leitura atraente para os admiradores do Romantismo e até mesmo do Parnasianismo,
e uma leitura indispensável aos amantes de Eça de Queirós.